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Antes, o que deixava mães e pais de cabelo em pé era ter AQUELA conversa sobre sexo. Mas para uma geração que tem acesso facilitado, imediato e intensivo à pornografia via internet, essa conversa talvez tenha de acontecer mais cedo. E tem que ser sobre pornografia. Saiba porquê.

 

crianças na internet

 

TALVEZ ninguém nunca tenha falado abertamente sobre sexo e pornografia com você. E isso torna ainda mais difícil abordar esse tema com os seus filhos. Meus pais também não falaram comigo e eu, agora, sou mãe de um menino, o alvo primário dos produtores de pornografia que lucram com publicidade de conteúdo pornográfico na Internet.

 

Se você, como eu, também é mãe ou pai e não quer que seu filho ou filha tenha a vida sexual moldada pela indústria pornográfica, então esse texto é para você.

 

Para começarmos, vou trazer duas informações que você talvez nunca tenha visto: uma é de um estudo realizado pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que concluiu que os pais subestimam em até 10x o que os seus filhos vêem na pornografia; a outra é da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, que concluiu que crianças a partir dos 11 anos já estão se tornando viciadas em pornografia.

 

Esses dois dados, que não são nem de longe os mais alarmantes sobre crianças e pornografia, ajudam a começarmos a imaginar o tamanho do problema. A própria ideia de que é possível ser viciado em pornografia pode parecer inusitada para a maioria, quem dirá a noção de que é possível ser viciado em pornografia com apenas 11 anos de idade.

 

A maioria dos pais não faz ideia de quão fácil é o acesso e quão problemático é o conteúdo pornográfico que seus filhos podem assistir na internet. Segundo a pesquisadora e PhD Gail Dines, que desenvolveu um projeto educacional para ajudar pais e profissionais a dialogarem com crianças e jovens sobre pornografia, boa parte dos pais ainda pensa em revistas como a Playboy quando falam em pornografia e não fazem ideia da gravidade do conteúdo pornográfico.

 

Para as gerações de hoje, nascidas na era da Internet, a pornografia não é mais a revista ou a fita VHS escondida debaixo da cama. Isso é passado. A pornografia de hoje está a um clique de distância e, muitas vezes, nem precisamos ir à procura: ela aparece em janelas pop-ups no meio dos jogos nos celulares, tablets e computadores, surge repentinamente nos feeds das redes sociais, como o Facebook, Instagram ou TikTok. Ela é compartilhada pelo WhatsApp em grupos de amigos. Resumidamente: ela é mais “viva” que a versão das revistas, mais intensa e quase onipresente.

 

E isso é um sério problema. Porque a pornografia, hoje, é parte da cultura pop e seu consumo é completamente banalizado entre crianças e adolescentes. Vou listar 5 motivos por que você deveria falar com seu filho ou sua filha sobre pornografia.

 

1 – Primeiro contato com a pornografia acontece entre 8 e 12 anos

De acordo com uma pesquisa feita em 2020 pelo Comitê Britânico de Classificação de Filmes, a maioria das crianças é exposta à pornografia entre os 8 e os 12 anos, sendo que algumas são expostas antes dos sete anos de idade. Meninos são quase 2x mais expostos do que meninas.

 

Se você tem filhos, como eu, saberá que aos sete anos a maioria das crianças ainda acredita em Papai Noel e Fada do Dente. Uma criança tão nova não tem desenvolvimento psicológico e cognitivo para compreender, interpretar e discernir o que está assistindo.

 

Com a exposição precoce, as consequências também aparecerão mais cedo e, por isso, é crucial que os pais estabeleçam o diálogo o quanto antes. Ao menos antes que o consumo se torne um vício e a situação saia do seu controle.

 

2 – Vício em pornografia pode desenvolver depressão e disfunção sexual

Sim, pornografia vicia. Assim como funciona com psicotrópicos, o estímulo provocado pela pornografia culmina na liberação de dopamina, o hormônio do prazer. Contudo, “quanto mais o consumo da “droga” é repetido, mais estímulo a pessoa precisa para que o prazer se mantenha”, diz o Instituto Nacional de Psicologia Aplicada no seu artigo sobre como funciona o vício em pornografia.

 

Como todo vício, as consequências vão muito além da dependência, até pelas próprias particularidades do conteúdo pornográfico. Algumas das consequências que o vício em pornografia pode provocar segundo o INPA são:

  • Perda de memória
  • Transtorno Obsessivo e Compulsivo
  • Fobias sociais
  • Depressão
  • Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

 

O Instituto também afirma que “pessoas viciadas em pornografia tendem a se sujeitar a relacionamentos abusivos ou até a desenvolver psicopatias sexuais”. Além disso, diversos estudos apontam que o uso continuado de pornografia pode provocar disfunção sexual e problemas de ereção precoce, entre outras disfunções relacionadas ao sexo.

3 – Pornografia reforça comportamentos violentos

Dados mostram que 9 em cada 10 vídeos de pornografia apresentam violência sexual ou alguma forma de agressão. Se lembrarmos que a idade média de primeiro contato com pornografia é de apenas 11 anos, ou seja, crianças que não têm o cérebro e o cognitivo completamente desenvolvidos, podemos vislumbrar o impacto de ter a pornografia como principal fonte de aprendizagem sexual.

 

Como referido anteriormente, crianças não conseguem discernir tão claramente o certo do errado, especialmente quando o que elas veem na pornografia são, efetivamente, pessoas reais fazendo “sexo real” num site que diz que aquilo é de verdade e mais: que é o que todos desejam e o que todos querem fazer. E a realidade é que os sites de pornografia não são como as revistas de antigamente, com imagens estáticas sensuais ou de mulheres seminuas. São milhões de vídeos, atualizados a todo segundo, com imagens violentas do que dizem ser “sexo”.

 

Faça o teste. Pesquise “pornografia” no Google e clique no primeiro resultado. Veja que tipo de vídeo encontra na página inicial, sem precisar ir muito longe nos cliques: incesto, pedofilia, estupro, sexo anal violento. É isso que crianças encontram ao pesquisarem “sexo” ou “pornografia” na internet. À distância de um clique, longe dos olhos dos pais.

 

Segundo estudo publicado na revista científica Open Psychology Journal, “pesquisadores conduziram um número considerável de estudos sobre a conexão entre exposição a materiais sexualmente explícitos (como pornografia) e agressão. As pesquisas anteriores mostravam sobretudo que a exposição à pornografia aumentava comportamentos masculinos agressivos e atitudes negativas para com as mulheres”.

 

O que isso nos diz é que a pornografia educa meninos para uma sexualidade violenta e educa meninas para serem violentadas. Nossos filhos e nossas filhas certamente merecem mais do que isso.

 

4. Padrões estéticos irreais que geram baixa autoestima e insegurança

“Eu comecei a ver pornografia aos 11 anos.”, conta Felipe Barros* (nome fictício), de 17 anos, num grupo do Facebook dedicado a pessoas que querem deixar de ver pornografia. “Isso me levou a assistir incontáveis horas de pornô e me deixou com uma insegurança enorme em relação às garotas e ao meu próprio corpo. Eu era gordinho, e sentia que eu era nojento, pois todos os homens dos filmes têm corpos esculturais, e eu nunca conseguiria ser assim.”

 

O sexo da pornografia é real na medida em que ele realmente acontece, ou seja, não é uma animação criada pela computação. Mas é o sexo mais longe da realidade possível na medida em que é encenado, os atores são preparados, maquiados e vestidos para filmarem, são posicionados de determinadas formas e reposicionados incontáveis vezes até conseguirem o ângulo que melhor transmite a ideia que os produtos querem passar. Aquelas pessoas não são como as pessoas da vida real, mas quem explica isso às crianças que crescem assistindo?

 

Sendo uma indústria com objetivo de lucro, boa parte do que move o lucro da pornografia é o princípio básico de toda estratégia de marketing: projeção. A projeção do telespectador, conseguir se imaginar naquilo que vê, é crucial para criar a ligação aditiva ao produto. A indústria da pornografia fomenta padrões estéticos irreais e cria imagens distorcidas sobre beleza e corpo que podem afetar de forma arrasadora a autoestima das meninas e meninos na infância e adolescência, podendo carregar estigmas para o resto da vida.

 

E isso pode afetar de maneira desastrosa não só o seu rendimento escolar e profissional no futuro, mas também as suas relações sociais, gerando baixa autoestima, insegurança e uma falta de confiança nas suas capacidades.

 

5. Se você não falar, a indústria pornográfica vai falar por você

A dica é da cientista social Gail Dines, que há 25 anos estuda os efeitos da pornografia na sociedade. Dines ressalta como, hoje, a influência da indústria pornográfica está muito além da pornografia em si, podemos encontrar o padrão pornificado em filmes, capas de revistas, música e na publicidade, que tendem a hiperssexualizar os corpos femininos enquanto apresentam homens como dominadores.

 

Segundo dados divulgados publicamente, as plataformas mais utilizadas por adolescentes hoje são o TikTok, Instagram e o Snapchat. O ponto em comum das três plataformas é o fato de serem completamente baseadas em imagens ou vídeos e, embora a distribuição de pornografia não seja o foco principal de nenhuma das três, é fácil encontrar conteúdo pornográfico em apenas alguns cliques em qualquer uma delas.

 

Esses conteúdos muitas vezes estão escondidos atrás de hashtags ou emojis (como o emoji da berinjela, representando o órgão sexual masculino, ou do pêssego, representando o órgão sexual feminino) e geralmente possuem links que levam para os sites finais de pornografia ou venda de pacotes de nudez (como o OnlyFans). São centenas de milhares de contas inteiramente dedicadas a imagens de cariz sexual e cuja única barreira para verificar a idade do usuário é uma mensagem que pode ser facilmente burlada clicando no botão “sim”.

 

Assim, crianças e adolescentes são constantemente bombardeados por mensagens de hiperssexualização sobre os corpos ideais, sobre comportamentos “ideais” e noções irreais de sexo e relações interpessoais. Para não mencionar a banalização da ideia de comercialização da própria sexualidade, que tem normalizado a ideia de vender pacotes de fotografias nuas ou ter rendimentos como “sugar baby” para meninas adolescentes e jovens.

 

Numa sociedade altamente pornificada em todos os lados (filmes, novelas, música, revistas, mídias sociais) e na qual o acesso à pornografia, muitas vezes de conteúdo violento, começa antes dos 10 anos de idade, que tipo de desenvolvimento emocional, psicológico e sexual podemos vislumbrar para nossos filhos? E que sociedade teremos dentro dos próximos 20 anos?

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