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O número de mães que sofrem de doença mental dobrou na última década. E a pandemia aprofundou anda mais esse poço. O que devemos saber e o que podemos fazer sobre isso?

Saúde Mental e Maternidade andam juntos?

Há quem diga que ser mãe e ter boa saúde mental são como água e óleo: não se misturam. Sendo mãe imigrante, acho difícil discordar, mas o que nos interessa saber é: por que falar em saúde mental materna? O que está na mesa e em jogo quando falamos de saúde mental? E de que forma ela impacta os direitos das mulheres, das crianças e o desenvolvimento social? Sobretudo: o que fazer sobre isso?

Falar de saúde mental materna exige levarmos vários fatores em conta: contexto socioeconômico, machismo, racismo, violência, acesso a apoios e serviços públicos… isso só para citar alguns. É importante fazer esse lembrete antes de entrar no assunto para evitar o facilitismo (machista) de culpar as mudanças hormonais pré e pós-parto pelas diversas dificuldades de saúde mental que mulheres mães enfrentam.

Da ansiedade na gestação que pode desembocar num parto prematuro complicado à depressão pós-parto que pode evoluir para uma psicose e, em alguns casos, acabar em notícias tristes de suicídio materno ou até mesmo infanticídio, a miríade é muito mais ampla e abarca muito mais que os 9 meses da gestação os primeiros meses após o parto. Afinal, a gestação é um período relativamente curto, enquanto a maternidade é, basicamente, para o resto da vida.

Culpar os hormônios é culpar a vítima e fazer vista grossa a uma diversidade de fatores, cujas responsabilidades extrapolam em muito a mulher e mãe individualmente: passam por companheiros, familiares, vizinhos até a sociedade como um todo e as instituições públicas, principalmente. Vamos dar uma olhada nas estatísticas.

Estatísticas da Saúde Mental Materna no Brasil

Segundo a pesquisa Nascer no Brasil [1], que analisou mais de 26 mil mulheres:

  • 26% das mães apresentam sintomas prováveis de depressão;
  • 15% a 20% apresentam depressão (diagnosticada);
  • 16% sofrem com ansiedade;
  • 4% apresentam transtorno de estresse pós-traumático;
  • menos 1% chega a desenvolver psicose pós-parto;

Como a Pandemia afetou a saúde mental das mulheres

O cenário que já não era positivo, tornou-se ainda mais difícil com o advento da pandemia. Para mostrar, mais uma vez, que os fatores sociais, econômicos e culturais estão entre os mais importantes se vamos discutir saúde mental e maternidade.

Vale frisar que, só no Brasil, mais de 8 milhões de mulheres perderam o emprego durante a Pandemia (fonte: PNAD/IBGE). O isolamento, o fechamento das escolas, a incerteza trazida pelo vírus, a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e a falta de renda constituem um cenário devastador para a saúde mental das mães. Especialmente num país onde mais de ⅓ das famílias são chefiadas por mulheres.

Com o aumento do trabalho doméstico e de cuidados, o tempo de liberdade e autocuidado diminuiu, e as mulheres se viram ainda mais confinadas às quatro paredes domésticas — mesmo aquelas mães trabalhadoras que nunca conseguiram, de fato, fazer isolamento porque o trabalho exigia.

Mais trabalho, menos descanso, menos renda, mais cuidados de terceiros e menos autocuidado resultaram num sentimento generalizado de exaustão, fadiga e depressão entre mulheres mães.

Segundo dados do estudo dirigido pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto [2], que focou em mães com filhos entre 1 a 6 anos:

  • 63% das mães tiveram sintomas depressivos durante a pandemia;
  • 78% delas relataram sentimentos de desconforto com o coronavírus;
  • 34% tiveram sentimentos negativos (medo, angústia, ansiedade e insegurança);

Segmentando a análise, as estatísticas reafirmaram o problema: 89% das mães que já tinham sinais de depressão antes da pandemia continuaram com os sintomas e 47% das mães que não tinham indícios passaram a apresentá-los.

ansiedade na gravidez

Saúde Mental na Gravidez

Por um lado, é ótimo que já exista mais reconhecimento público sobre como a saúde mental materna na gravidez é importante, podendo afetar até mesmo o desenvolvimento saudável do bebê. Por outro, essa narrativa dá a impressão de que o problema só se torna, de fato, um problema quando atinge os bebês — como se o sofrimento da mulher não fosse um problema suficiente por si mesmo.

Como se a mulher mãe fosse um mero objeto que gesta o verdadeiro ser humano: o feto.

Quem já não ouviu a frase “gravidez não é doença”? Mulheres usam essa frase como um mecanismo de defesa, visto que o estar grávida é sempre instrumentalizado para usarem contra nós: para contratar, para despedir, para chantagear e para diminuírem a relevância das nossas opiniões, ideias e críticas. Afinal, ela está grávida! Grávidas são muito emocionais, são os hormônios… Enfim.

Embora gravidez não seja doença, gravidez pode trazer riscos à saúde, sim, e pode potencializar o aparecimento de doenças. Inclusive doenças mentais. Muitas vezes não diretamente relacionados à gravidez em si, mas às situações a que somos submetidas e expostas por estarmos grávidas:

  • atendimento desumano na obstetrícia e ginecologia
  • violência doméstica e psicológica em casa
  • assédio moral ou sexual no trabalho
  • ansiedade por insegurança econômica, alimentar, emocional…

Diferentes estudos analisaram a incidência de transtornos mentais em gestantes no Brasil. Os números variam de região para região, mas, em geral, oscilam entre 31-43% das gestantes apresentando problemas de saúde mental.

A região Centro apresentou a maior taxa, com mais da metade das gestantes com indícios de transtornos mentais (ou seja, sintomas depressivos não-psicóticos, ansiedade, queixas somáticas, etc). [3]

Saúde Mental Materna no Pós-Parto

Ter problemas de saúde mental na gravidez já é sofrível o bastante, mas infelizmente nem sempre os problemas “saem” junto com o bebê após o parto. O período pós-parto é um período de adaptação tanto para a mãe como para o bebê. É uma mudança grande tanto na rotina diária como para o corpo, física e emocionalmente.

A falta de rede de apoio, falta de participação do companheiro e da família, isolamento social, a disforia com as mudanças físicas que o corpo passa após o parto e, o que não é raro no Brasil, até mesmo experiências traumáticas no parto podem ser gatilhos para desenvolver problemas de saúde mental no pós-parto.

Some-se a isso a privação de sono tão comum nos primeiros meses de vida, o cuidado exaustivo (estar constantemente trocando fraldas, limpando vômito, dando banho e outros cuidados que as mães, geralmente, fazem sozinhas, mesmo quando não são mães solo) e conseguimos obter um vislumbre de como a saúde mental materna pode ir pelo ralo abaixo.

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Segundo a OMS, globalmente, cerca de 10% das mulheres gestantes e 13% das recém-mães sofrem de algum distúrbio mental, sendo depressão a mais prevalente. Esse índice aumenta em países onde a desigualdade de renda é maior. Por quê?

Comparemos a experiência de se tornar mãe no Brasil com a experiência de se tornar mãe em um país considerado “desenvolvido”. Em Portugal, por exemplo, gestantes têm acesso não só às consultas pré-natais, mas também ao treinamento para o parto, gratuitamente conduzidos por enfermeiras e técnicas das maternidades públicas.

Na Holanda, mulheres podem optar por ter parto em casa pelo sistema público de saúde, desde que cumpram os pré-requisitos (gravidez de baixo risco, parto a termo, sem problemas de saúde).

Já no Reino Unido e outros países mais ao norte da Europa, é comum que enfermeiras e consultoras acompanhem a nova mãe a domicílio nas primeiras semanas. Nesse acompanhamento, elas orientam para as boas práticas ao iniciar a amamentação, primeiros cuidados com o bebê e ficam de olho na saúde da mãe, encaminhando para consultas caso esta demonstre sinais de que precisa de ajuda médica (como em caso de depressão).

Nos países “não tão desenvolvidos”, entretanto, a precarização da saúde pública e o enfraquecimento do Estado costuma ser a ponta de lança na experiência das mulheres após o parto: pouco acesso à saúde e aconselhamento médico, falta de licença maternidade adequada, pouca ou nenhuma política que permita aos pais acompanharem as primeiras semanas do bebê e apoiar a mãe nessa adaptação.

Além disso, a mudança nos nossos modos de vida (não só impulsionados pelo empobrecimento geral da população, mas também pelo aumento da violência) empurra-nos cada vez mais para vidas isoladas e desconectadas de uma comunidade.

Por exemplo, temos um artigo contando sobre como são os cuidados no pós-parto na Índia, onde a comunidade e a família apoiam a nova mãe desde os cuidados com a casa até o seu bem-estar físico e emocional. Parece uma tradição maravilhosa, mas como ter acesso a essa rede de apoio se você é emigrante/imigrante, mora em prédios no meio urbano ou está isolada dos vizinhos no meio rural?

Todos esses fatores se juntam numa rede complexa e destrutiva para a saúde mental das mães após o parto.

Saúde Mental de Mães Solo

Apesar da saúde mental ser um desafio generalizado entre mães, o desafio tem nuances diferentes dependendo se você é branca, negra ou indígena, hétero ou lésbica, mãe solo (não “pãe”, só mãe com pai ausente mesmo!) ou com pai presente.

Com a pandemia, o esgotamento físico e mental foi um sentimento compartilhado de ponta a ponta por mães que criam os filhos sozinhas. No Brasil, estima-se que mais de um terço das famílias são chefiadas por mulheres. Dessas, 63% estão abaixo da linha da pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE [4].

Estar abaixo da linha da pobreza significa ter menos condições de pagar alimentação, casa, saúde, lazer, materiais escolares. A insegurança alimentar e financeira é um golpe duro na saúde mental materna.

Além dos desafios partilhados com as demais mães — falta de creche/escola, falta de acesso à saúde pública de qualidade, dificuldades de emprego — não é incomum que mães solo acabem por desenvolver ou aprofundar problemas de saúde mental em consequência de brigas judiciais com os pais ausentes. Disputas por guarda, pensão, chantagens emocionais e outras situações que condicionam seu acesso à vida profissional, social e dificultam a sobrevivência.

O que fazer para melhorar a saúde mental materna?

Importante frisar que melhorar a saúde mental das mães brasileiras (e de todo o mundo todo) não é algo que possamos fazer sozinhas, heroicamente em nossas vidas individuais.

Existem, sim, cuidados e ações que cada mãe pode tomar, na sua vida privada, para melhorar e cuidar da sua saúde mental, mas também existe todo um mundo lá fora, uma estrutura maior, que precisa ser responsabilizada e desenvolvida para realmente resolver essa questão.

Para que a saúde mental materna realmente deixe de ser um problema de saúde pública, precisaríamos de:

  1. investimentos reais na saúde pública, que pudessem reduzir o nosso trabalho de cuidados com as crianças, os idosos e familiares adoecidos em casa;
  2. mais infraestrutura e acesso à educação para nossos filhos;
  3. políticas reais de pleno emprego e de incentivo à participação igual e equitativa de mulheres no mundo profissional;
  4. políticas públicas feministas voltadas para a humanização do atendimento na gestação, na saúde familiar e o cumprimento do parto respeitoso e sem violência;
  5. desenvolvimento de estruturas comunitárias de apoio à família;

Isso só para começar a conversa.

Infelizmente, mudar o funcionamento do Estado não é algo que consigamos fazer da noite para o dia (pior ainda sozinhas). Por isso, enquanto mantemos esse horizonte nos nossos planos para longo prazo, você, individualmente, pode tomar cuidados para prevenir que a sua saúde mental deteriore e pedir ajuda sempre que achar necessário, especialmente ajuda profissional.

O primeiro passo para melhorar a saúde mental materna é identificar que existe um problema. Isso significa que se você estiver com sintomas de depressão ou ansiedade pós-parto deve informar o seu médico sobre isso para que ele possa ajudá-la a encontrar uma solução. É importante cuidar de você e de seu bebê, certificando-se de que sua saúde mental não piore também.

Nossas recomendações:

  1. Ler sobre saúde mental materna para conseguir identificar sinais e saber quando é hora de pedir ajuda (recomendo o Curso de Saúde Mental na Maternidade, das psicólogas Carolina Adani e Dominique Alves);
  2. Participar de grupos de apoio para mães;
  3. Buscar ajuda no posto de saúde ou hospital mais próximo da sua residência;
  4. Pedir apoio para a família e amigos para delegar tarefas, caso seja uma opção;
  5. Pedir auxílio de amigas, familiares ou cuidadores para poder tirar “folga” dos filhos de vez em quando e dedicar o tempo a uma atividade prazerosa que a faça sentir bem;

O apoio de pessoas próximas é essencial. Uma pessoa em sofrimento psíquico dificilmente consegue resolver a sua própria situação – não porque seja incapaz, mas porque, muitas vezes, aquilo que afeta a sua saúde mental são fatores que a ultrapassam. Além disso, é importante lembrar que amigos e entes queridos nem sempre serão suficientes ou mesmo a melhor alternativa. A ajuda profissional faz toda a diferença.

É importante cuidarmos umas das outras, sim, mas também é importante sabermos delegar os cuidados – o nosso e os dos nossos. Não somos as mães do mundo e não fazemos milagres. Todos precisamos de ajuda e é assim mesmo que deve ser.


Referências Bibliográficas

[1] Principais Questões sobre Saúde Mental Perinatal

[2] Pandemia impacta saúde mental materna e dá sinais de estresse e depressão

[3] Adoecimento mental em gestantes

[4] Desemprego, medo e sobrecarga: a realidade de mães solo na pandemia

[5] Mental health in pregnancy

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