Dar o primeiro celular aos filhos é um passo importante e que traz muitas questões à mesa. Este é um guia completo para ajudar você, mãe ou pai, a tomar uma decisão informada, ponderando os benefícios, malefícios, desafios e alternativas para o seu caso em particular!
Meu filho está prestes a fazer dez anos e vai entrar (nem acredito!) na pré-adolescência. Ou seja, é cada vez mais comum que ele vá para a casa de amigos ou passe uns dias com os avós, sem os pais. E isso colocou-nos a questão: será que está na hora de dar um celular para o meu filho?
Claro, não é uma decisão fácil e eu não queria me precipitar. Acho que todos nós, pais e mães, naturalmente pensamos nos lados negativos da internet antes dos lados positivos. Logo descobri que, como eu, vários pais e mães de pré-adolescentes tinham a mesma preocupação. Então decidi partilhar com vocês o que aprendi nessa jornada de pesquisa.
A internet é amiga ou inimiga? Ambas.
A primeira coisa que quero ressaltar é que eu sou uma nerd que teve contato com a tecnologia muito cedo, portanto, conheço os muitos lados positivos do acesso à web. A segunda coisa a reforçar é que a minha carreira é no marketing digital. Eu trabalho com websites todos os dias e, por isso, sei todas as artimanhas, táticas e riscos que a internet traz.
Não é preciso ser um expert para notar que crianças – sejam elas pequenas, pré-adolescentes ou crescidos – não têm maturidade e nem conhecimento suficiente para compreender o que é a internet e os riscos que ela traz, mesmo que tenham crescido em contato com o mundo digital.
Que elas tenham tido contato com celulares desde bebês, nem que fosse com supervisão de um adulto e só para assistir a Galinha Pintadinha, não significa que compreendam como a internet funciona, mas sim que estão habituadas a isso. São coisas muito diferentes se pensamos em segurança e vulnerabilidade.
Então, comecemos por pesar os prós e contras de ter acesso à internet.
Prós e Contras
Comunicação imediata
- Pró: possivelmente sua primeira razão para considerar o celular, pois permite comunicar a qualquer momento com a criança onde quer que ela esteja sem precisar de terceiros;
- Con: você não é a única(o) que consegue ligar para a criança e será difícil manter o controle de que números podem ou não chamar. Aliás, quem, no Brasil inteiro, nunca recebeu um trote feito a partir de uma prisão? Não há forma de evitar que a criança chegue a receber uma ligação dessas um dia, e ela talvez não saiba que é um trote;
Segurança
- Pró: com ferramentas de controle parental, é possível saber onde exatamente sua criança está (rastreio geográfico), o que pode ser útil caso se percam num ambiente lotado como um shopping ou festa, mas também em passeios da escola;
- Con: a criança pode ser exposta a conteúdo inapropriado para sua idade, bem como a situações de cyberbullying, assédio online, como também o uso de redes sociais sem maturidade pode expô-la a risco de vida sério, caso criminosos (como sequestradores e pedófilos) tenham acesso a informações de rotina e localização da criança;
Educação e entretenimento
- Pró: pode dar acesso a aplicativos educacionais e recursos on-line que ajudem no aprendizado (especialmente para crianças com necessidades especiais, como autistas, cegas ou surdas). Eu, pelo menos, já começo a precisar do YouTube para explicar algumas tarefas de casa por aqui…
- Con: como sabemos, apps e redes sociais são propositalmente construídos para viciar. O risco de dependência e de aumento da distração, bem como diminuição da capacidade de concentração, pode afetar o desempenho escolar e interferir com outras responsabilidades, além de colocar um risco sério para a socialização da criança.
O que dizem os especialistas?
Organização Mundial de Saúde
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma cartilha inédita com orientações para crianças com menos de 5 anos e o uso de aparelho celular. A cartilha dá orientações de que as crianças devem brincar em parquinhos, ter contatos com livros e estabelecer uma rotina de horários consistentes para dormir e quase nenhum ou nenhum contato com smartphones ou tablets.
Sociedade Brasileira de Pediatria
A Sociedade Brasileira de Pediatria faz a seguinte recomendação baseada na idade:
- Crianças de 0 a 2 anos: não devem ter qualquer exposição
- Crianças de 2 a 6 anos: 1 hora por dia
- Crianças de 6 a 10 anos: 2 horas por dia
- Crianças acima dos 11 anos: até 3 horas por dia
Então como saber se está na hora?
Existem duas questões que devem ser respondidas para ajudar a tomar essa decisão e saber se realmente está na hora de dar um celular para o seu filho ou se é algo que pode ser adiado por mais algum tempo.
1) Qual o objetivo de dar um celular?
Quando ponderou comprar um celular para o seu filho ou filha, a sua preocupação principal era ter um meio de comunicação? Era para fins educacionais? Ou apenas uma ferramenta de entretenimento? Isso faz toda a diferença porque:
Se for para estudar
Um tablet ou computador pode ser mais fácil de controlar e limitar o uso (visto que é maior e mais trabalhoso para carregar para todos os lados) e poderá ter o mesmo efeito (com acesso a vídeos e leituras) sem a preocupação das chamadas e portabilidade;
Se for para entretenimento
Se a comunicação não é um problema ainda e o principal objetivo é manter a criança entretida ou fornecer alguma diversão, então existem muitas outras alternativas que podem ser menos viciantes e prejudiciais para a criança. Neste caso, o celular pode certamente esperar por uma fase mais madura da criança!
Se for para comunicar
Se existe uma necessidade de comunicação porque seu filho começa a passar mais tempo fora da companhia dos pais, poderá considerar um celular mais básico, que sirva esse propósito sem os riscos das distrações e segurança, ou mesmo um smartphone (caso a criança seja suficientemente responsável e madura) com controle parental ativado. O controle parental permitirá liberar acesso gradativamente, conforme a criança demonstrar mais responsabilidade e maturidade.
2) Meu filho está pronto para ter um celular?
Um celular não é apenas um aparelho, é uma “janela para o mundo”. Além de ser um pertence de algum valor, se estivermos falando de um smartphone, e que, portanto, exige cuidado da parte da criança até com o próprio objeto, também é um aparelho que permite falar com terceiros, acessar conteúdos (nem sempre apropriados para a idade) e também permite ser acessado por outros dispositivos.
Por isso, é preciso analisar os níveis de maturidade emocional, cognitiva e psicológica da criança para receber tamanha responsabilidade e cooperar com os pais. Veja abaixo!
Como saber se a criança está pronta para ter um celular?
Como mães e pais, às vezes temos uma visão diferente sobre nossos filhos, enviesada pelo recorte do que vamos no nosso dia a dia, que nem sempre reflete o comportamento deles fora das nossas asas (os professores que o digam!).
Contudo, há alguns sinais que podemos analisar para tomar tal decisão:
Falta de compromisso ou responsabilidade
Se a criança tem dificuldade com responsabilidades básicas, como completar tarefas, seguir regras estabelecidas ou cuidar dos próprios pertences, ela pode não estar pronta para a responsabilidade adicional de um celular.
Compreensão limitada dos riscos da internet
A falta de consciência sobre os riscos online, como compartilhar informações pessoais, interagir com estranhos ou reconhecer conteúdo inadequado, é uma bandeira vermelha, pois torna a sua criança mais vulnerável aos perigos eminentes da rede que estão, muitas vezes, fora do nosso controle como pais e mães.
Dificuldade em gerir o próprio tempo
Se a criança enfrenta desafios para gerenciar seu tempo efetivamente, demonstrando tempo excessivo na tela de outros dispositivos, introduzir um celular pode agravar problemas relacionados ao equilíbrio entre tempo de tela e outras atividades.
Resistência a seguir regras
Crianças que resistem ou frequentemente ignoram regras que foram acordadas podem ter dificuldade em seguir as limitações e regras definidas para o uso do celular, o que obviamente dará uma bela dor de cabeça aos pais e apresentará um potencial risco para a criança. A criança deve estar disposta a seguir as regras e entender a importância de segui-las, não apenas “seguir por seguir”.
Habilidades limitadas de comunicação
Se a criança enfrenta dificuldades para se comunicar, tanto ao expressar suas necessidades quanto ao ouvir instruções, introduzir um celular pode atrapalhar, em vez de aprimorar, a comunicação dentro da família. (Abriria aqui uma exceção apenas a crianças autistas não-verbais, que geralmente podem beneficiar de ter um aparelho digital para apoiar a comunicação).
Sensibilidade emocional
Se a sua criança demonstra ser mais sensível às emoções, tende a reagir de forma exacerbada a determinadas situações, isto pode indicar que a criança não está pronta para lidar com desafios potenciais, como cyberbullying ou exposição à negatividade online.
Dificuldade para lidar com a pressão dos colegas
Se a criança cede facilmente à pressão dos colegas, há um grande risco de que ela use o celular de maneiras contrárias às regras estabelecidas ou participe de atividades influenciadas pelos colegas.
Problemas com o sono
Se já existem preocupações com os hábitos de sono da criança, introduzir um celular pode agravar as interrupções do sono. Está cientificamente comprovado que a luz azul emitida pelo brilho das telas digitais interfere com a produção de melatonina do nosso corpo, o que pode causar insônia (e miopia!)
Recusa em partilhar suas experiências
Se a criança se recusa a discutir abertamente suas experiências, medos ou preocupações, pode indicar uma falta de prontidão para navegar pelas complexidades do mundo digital – e tornará mais difícil para os pais acompanhar ou auxiliar em casos de perigo iminente.
Interesse limitado
Se a motivação principal para introduzir um celular é educacional, mas a criança não demonstra interesse ou aparenta dificuldades em certas temáticas, pode ser um indicativo de que ela ainda não está pronta para abraçar totalmente o potencial educacional de um celular, e métodos mais tradicionais ou alternativos (como a pedagogia montessori) podem ser melhores aliados.
Esses sinais devem ser considerados coletivamente, numa perspectiva holística. Isto é reconhecer que “estar pronto” ou ter maturidade para ter um celular envolve uma série de fatores emocionais, cognitivos e comportamentais. Se identificar seu filho em algum dos sinais acima, pode ser benéfico adiar a introdução de um celular e focar na preparação gradual da criança para o uso digital responsável.
O que é o Controle Parental?
Controle parental é um conjunto de ferramentas e recursos disponíveis nos dispositivos como celulares e tablets que permitem aos pais gerenciar e monitorar as atividades digitais de seus filhos.
Esses controles são implementados para garantir que a criança tenha um acesso gradual aos recursos do aparelho (aplicando filtros de conteúdo, limitando tempo de uso, bloqueando certas áreas), de forma que o uso seja compatível com a idade da criança.
Alguns pontos-chaves do controle parental são:
- Filtragem de Conteúdo: os pais podem restringir o acesso a conteúdos inadequados configurando filtros para sites (como sites adultos e de apostas), aplicativos (como redes sociais) ou mídias, criando assim um ambiente online mais seguro para as crianças.
- Gerenciamento de Aplicativos: os pais podem controlar quais aplicativos seus filhos podem baixar e usar (por exemplo: Youtube Kids pode, mas Youtube normal não; Google pode, mas Facebook não, etc). Essa funcionalidade garante que apenas aplicativos apropriados para a idade e aprovados estejam acessíveis no dispositivo.
- Limites de Tempo e Monitoramento de Uso: os pais podem definir limites diários ou semanais para o uso do dispositivo. Além disso, podem monitorar o tempo gasto em aplicativos específicos ou categorias, incentivando um equilíbrio saudável entre o tempo de tela e outras atividades.
- Configurações de Privacidade: Os controles parentais frequentemente incluem recursos para gerenciar configurações de privacidade, restringindo o compartilhamento de informações pessoais com provedores e sites.
- Rastreamento de Localização: Algumas ferramentas de controle parental oferecem rastreamento de localização, permitindo que os pais saibam onde seus filhos estão. Esse recurso aumenta a segurança fornecendo informações em tempo real.
- Compras Online: os pais podem evitar compras não-autorizadas dentro de aplicativos usando controles que restringem compras e transações em aplicativos.
- Controles de Comunicação: os controles parentais podem incluir recursos para gerenciar a comunicação, como bloquear contatos específicos ou limitar a comunicação apenas a contatos aprovados.
- Bloqueio e Desbloqueio do Dispositivo: Os pais podem controlar quando o dispositivo está acessível, configurando horários programados de bloqueio e desbloqueio. Isso pode ser útil para impor horários de dormir ou de estudo.
Quais as alternativas disponíveis?
Nós estamos tão acostumados a ter sempre os celulares por perto, até nas horas mais…. fisiológicas… que às vezes até esquecemos que existem alternativas que poderiam prorrogar esse importante passo de dar um smartphone para uma criança que talvez ainda não esteja pronta.
Listo abaixo algumas das alternativas que encontrei e pareceram boas saídas:
Relógio inteligente com micro chip para crianças
Um relógio inteligente (smartwatch) que permite a utilização de um cartão nano para fazer e receber ligações. Os smartwatches variam de acordo com a marca, mas algumas opções permitem inserir até 10 contatos, o que garante maior controle sobre as pessoas para quem a criança poderá ligar ou das quais poderá receber ligações.
Além disso, esses relógios costumam ter outras funcionalidades como rastreamento (para os pais saberem onde estão as crianças), alarme e alguns permitem ativar o modo escola, que desativa todas as outras funções para não interromper as aulas.
Celulares Básicos
Quem não se lembra daquele Nokia antigo que só tinha lanterna e jogo da cobrinha? E por que não? Se a necessidade é criar um canal de comunicação apenas quando a criança estiver fora, e a preocupação for limitar a distração e acesso a conteúdos inapropriados, então um celular básico, que sirva apenas para ligar e enviar mensagens de texto, e que seja utilizado apenas quando não estiver na presença dos pais, pode ser uma ótima solução (e mais econômica!).
Tablet com uso restrito/supervisionado
Se o foco principal é conteúdo educacional, considere um tablet com controles parentais para acesso restrito. Estabeleça regras de utilização e tempo de uso e, assim, consegue manter tudo sob controle sem a parte prejudicial e de danos à saúde, mas com todos os benefícios de uma ferramenta educacional digital!
Conclusão: dar ou não dar?
Já sabemos que no jogo da parentalidade, dificilmente podemos falar em soluções mágicas e decisões certas ou erradas. Contudo, introduzir um dispositivo com tantos prós e contras, com tantos benefícios e riscos, exige um cuidado maior na decisão.
Avaliar os benefícios em relação aos potenciais riscos, alinhar-se com a fase de desenvolvimento da criança e promover o uso responsável é vital. Se achar que está muito cedo para dar tamanha responsabilidade ao seu pequeno ou pequena, explore caminhos alternativos que promovam a conectividade sem comprometer a segurança e o bem-estar da criança.
A jornada no mundo digital é uma exploração colaborativa — que deve ser pavimentada por escolhas informadas e experiências seguras e compartilhadas.