Pesquisas indicam que mais de 53% das mulheres no Brasil são submetidas a uma episiotomia no parto, mas a Organização Mundial de Saúde desencoraja o procedimento desde 2018.
O que é episiotomia?
Episiotomia é uma incisão cirúrgica feita no períneo (a área entre a vagina e o ânus) durante o parto. Geralmente, este procedimento é realizado durante o período expulsivo, quando a cabeça do bebê está prestes a emergir do canal vaginal.
A origem da prática
O uso da episiotomia durante o parto tem sido documentado há séculos. Na Roma antiga, por exemplo, as parteiras às vezes faziam incisões no períneo para acelerar o parto. A versão moderna da episiotomia, na qual uma incisão precisa é feita usando uma tesoura ou um bisturi, foi descrita pela primeira vez no século XIX.
Desde então, o uso da episiotomia tem sido banalizado, hoje tratado como “procedimento de rotina” em muitos hospitais públicos e privados. Contudo, a prática sempre foi controversa, com alguns defendendo o uso rotineiro e outros questionando a própria necessidade de qualquer aplicação de episiotomia.
Nos últimos anos, as episiotomias tornaram-se menos comuns devido à preocupação com os riscos e complicações consequentes associados ao procedimento.
No Brasil e no mundo, movimento encabeçados por profissionais do parto (médicos, enfermeiras, doulas e parteiras), bem como por mães e gestantes, têm defendido o banimento da episiotomia, denunciando como violência obstétrica pela falta de evidências científicas que fundamentem indicações do uso do procedimento e afirmando que a prática é, na verdade, uma forma de mutilação genital feminina.
O que diz a Organização Mundial da Saúde
A Organização Mundial da Saúde (OMS) desencoraja a episiotomia, pois considera o procedimento como potencialmente prejudicial, podendo causar complicações a longo prazo. Em vez disso, a OMS recomenda o uso de outras técnicas menos invasivas e danosas, como a massagem perineal, para reduzir o risco de lacerações durante o parto.
Episiotomia x Laceração: qual a diferença?
Enquanto a episiotomia é um corte cirúrgico feito pela equipe médica, a laceração é um rasgo espontâneo que pode ocorrer durante o parto em decorrência da força e pressão exercida no período expulsivo, o que pode forçar o assoalho pélvico.
Uma das possíveis complicações da episiotomia é que a incisão pode rasgar ainda mais durante o parto, o que exige reparos adicionais.
Aqui, os movimentos que denunciam a episiotomia como uma forma de violência contra as mulheres, no caso uma violência obstétrica, apontam o fraco paradigma muitas vezes utilizado para legitimar o corte sem anestesia nas mulheres.
“A episiotomia JÁ é uma laceração de 2° grau e aumenta o risco de trauma perineal grave (laceração de 3° e 4° grau)”, diz a Dra. PhD. Melania Amorim, única médica brasileira a participar do Grupo de Desenvolvimento de Guidelines na Organização Mundial de Saúde, que faz recomendações para as instituições de saúde no mundo todo com base nas evidências científicas mais atualizadas.
Embora alguns profissionais afirmem que o uso seletivo da episiotomia é justificado, Melania Amorim é contundente: a OMS não reconhece qualquer evidência científica que justifique a prática da episiotomia.
Assim como outros especialistas na área, incluindo parteiras e enfermeiros, a Dra. em Obstetrícia e PhD em Epidemiologia Melania Amorim defende uma recomendação contra o uso da episiotomia em geral.
Quais são as complicações associadas à episiotomia?
Algumas possíveis complicações associadas com a episiotomia incluem:
- infecção
- sangramento
- dores no períneo
- incontinência urinária
- dificuldade de recuperação
- dificuldades durante o sexo
Em alguns casos, uma episiotomia pode causar problemas a longo prazo, como o desenvolvimento de incontinência urinária e dores persistentes durante a relação sexual em decorrência do trauma na região íntima.
Passei por uma episiotomia, que cuidados devo ter para uma boa recuperação?
Se passou recentemente por uma episiotomia, é importante seguir as instruções da equipe médica para o cuidado pós-operatório. Isto pode incluir cuidar da ferida, usar terapêuticas para gerir a dor e o desconforto, e evitar atividades que possam causar tensão na área.
Aqui estão algumas dicas para cuidar de uma ferida de episiotomia:
- Mantenha a área limpa e seca. Lave suavemente a área com água morna e sabão, e seque com uma toalha limpa. Evite usar toalhetes à base de álcool ou perfumados, pois estes podem ser irritantes e causar ardor na ferida.
- Use compressa fria ou gelo. O uso de compressas frias ou sacos de gelo podem ajudar a reduzir o inchaço e o desconforto. Contudo, tenha atenção para não aplicar o gelo diretamente sobre a pele.
- Muito líquido e dieta rica em fibras. É importante manter-se hidratada e ingerir alimentos ricos em fibra para prevenir a prisão de ventre. Isso ajuda a evitar esforços durante a evacuação, que podem ser dolorosos e dificultar a cicatrização.
- Nem chuveiro de pressão, nem banho de imersão. Use a mangueirinha do chuveiro ou um borrifador cheio de água morna para limpar a área após urinar. Isto pode ajudar a evitar irritação e desconforto.
- Evite atividades que possam causar tensão na área, tais como levantar peso, exercícios físicos e fazer sexo. Consulte um profissional de saúde para saber quando é seguro retomar essas atividades.
Caso sinta quaisquer sintomas que possam indicar um problema, tais como sangramento excessivo, febre ou vermelhidão e inchaço ao redor da ferida, procure rapidamente ajuda médica assim que possível.
Sexo depois da episiotomia: pode ou não pode?
Cada caso é um caso. Fatores como a cicatrização, recuperação e se houve laceração adicionalmente ao corte têm um peso importante na volta à vida sexual ativa após uma episiotomia. É preciso consultar um profissional de saúde para saber, no seu caso em específico, quando será seguro retomar a atividade sexual depois de uma episiotomia.
Em geral, é melhor evitar a atividade sexual até que a ferida tenha sarado completamente, o que pode levar várias semanas. Isto ajudará a prevenir o desconforto e o risco de infecção.
A episiotomia é uma forma de violência obstétrica contra as mulheres?
Violência obstétrica se refere a qualquer ação ou omissão de um provedor de saúde (sejam estes profissionais ou instituições) durante o parto que cause danos físicos ou psicológicos à mãe ou ao bebê. Isto pode incluir intervenções médicas desnecessárias, tais como a episiotomia, bem como a prática de procedimentos médicos sem o consentimento informado e em acordo com os desejos da mãe.
Se uma episiotomia é realizada sem o consentimento informado da mãe ou é realizada sem qualquer justificativa médica, pode SIM ser considerada uma forma de violência obstétrica.
Embora a OMS já recomende contra o uso de episiotomia desde 2018, ainda há médicos que defendem a prática em “casos específicos”, mesmo sem literatura científica que justifique. Por falta de uma recomendação mais assertiva pelo banimento da episiotomia de vez do repertório médico na obstetrícia, legalmente existe uma situação dúbia em que a episiotomia em si mesma não é considerada, necessariamente, uma violência obstétrica, exceto se feita sem consentimento informado ou contra a vontade expressa da mulher.
Como denunciar uma episiotomia feita sem o consentimento da mulher?
Se você foi submetida a uma episiotomia sem o seu consentimento, isto configura violência obstétrica.
Nesse caso, é importante denunciar, não apenas para contribuir para os dados e estatísticas que informam políticas públicas que possam mudar esse cenário e evitar que outras passem pelo mesmo, como também para responsabilizar os profissionais e instituições por perpetrarem violência contra o seu corpo num momento vulnerável.
Para denunciar qualquer tipo de violência obstétrica, pode tomar os seguintes passos:
- Exigir seu prontuário do parto no hospital;
- Registrar denúncia na Ouvidoria do Hospital;
- Registrar denúncia do profissional para o Conselho Profissional;
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