Nas redes sociais, começam a pipocar posts fofos sobre “furo humanizado”. Consultorias, farmácias e clínicas vendem uma nova solução “sem dor” e “sem trauma” para podermos furar as orelhas de bebês sem peso na consciência: o furo humanizado. Então vamos falar sobre isso. Mas vamos falar com honestidade.
O que é o furo de orelha “humanizado”?
Um artigo sobre “furo de orelha humanizado” no site da Rio Care, uma empresa que oferece serviços de cuidadores profissionais, define o furo humanizado da seguinte forma:
“O furo de orelha humanizado é uma técnica que combina diversas ações para um procedimento sem traumas para o recém-nascido. São utilizadas técnicas de acupuntura e pomada anestésica para garantir um procedimento seguro e no tempo da sua bebê, além disso, os brincos devem ser esterilizados e antialérgicos.”
A revista Pais e Filhos, do Portal UOL, muito conhecida no meio materno, também define de maneira semelhante:
“O furo de orelha humanizado tem como objetivo fazer com que os bebês passem pela experiência de colocar o primeiro brinco da forma mais tranquila, com menor possibilidade de dor, menos traumática e respeitosa possível.”
Sem dúvidas, é um grande avanço finalmente falarmos sobre a dor, os riscos e os traumas dessa velha prática cultural de furar orelhas de bebês recém-nascidas ou com meses de vida. Até pouco tempo atrás – na verdade, até hoje, provavelmente – muita gente se recusaria a falar nesses termos sobre essa experiência, sob desculpas de que a bebê “não lembrará”, “isso passa” e “bebês recuperam muito rápido”.
Como a maioria dos artigos sobre os “furos humanizados” ressalta e bem, o cenário mais comum até pouco tempo atrás era a bebê já sair com a orelha furada da maternidade, inclusive. Como descreve a autora da RioCare, o furo “tratava-se de um momento traumático e desnecessário”.
Ambos os artigos mencionam os riscos de saúde que o furo podia trazer para as bebês, uma vez que não era raro que fossem feitos em farmácias ou até mesmo em casa, com poucas condições higiênicas – motivo pelo qual a Sociedade Brasileira de Pediatria só recomenda furar depois dos 2 anos de idade, quando a criança já deveria ter a vacina antitetânica.
E o que eu quero lembrar a todas que me leem é que: o furo na orelha é desnecessário por si mesmo. Com dor ou com anestésico para mascarar a dor. Com pistola ou com fotinha cheia de corações cor-de-rosa no Instagram.
Não há forma de humanizar uma perfuração desnecessária e não-consentida no corpo de um ser humano que ainda não tem consciência e informação para decidir se quer ou não passar por aquilo.
Os muitos problemas com o “furo humanizado”
Há um problema óbvio em furar orelhas de bebês, seja de forma humanizada ou “desumana”, que é o tremendo sexismo dessa prática cultural.
Meninos não têm as orelhas furadas. Isso é uma dor, um trauma e um risco ao qual bebês do sexo masculino não são submetidos (felizmente) pelo simples fato de nascerem meninos. Já as bebês meninas são submetidas a isso de forma peremptória e quase sem escapatória justamente por nascerem do sexo feminino. Ou seja, é de fato uma prática sexista. Que mira um sexo em particular.
Com isso, é nosso papel questionar qual a razão desse alvo tão específico. Qual a necessidade de furar meninas desde tão jovens? Qual o objetivo de submeter nossas filhas, recém-chegadas do calor e proteção do útero para um mundo desconhecido, à uma perfuração numa parte do seu corpo para usar um acessório completamente desnecessário para a sua saúde, segurança, desenvolvimento e vida?
Lembro de uma vez ter dito que não furaria a orelha da minha filha, se tivesse uma (tenho um filho), e uma mãe me perguntou quase em choque com aquela colocação: “e como vão saber que é menina?”, ao que rebati: mas para quê as outras pessoas, pessoas desconhecidas, precisam saber o sexo do meu bebê?
Colocadas essas perguntas, somos obrigadas a encarar o fato de que não há nenhuma justificativa para perfurar o corpo de uma bebê. Que os “brincos” não são acessórios de beleza (que, aliás, bebê nenhum precisa!), mas sim um identificador social de corpos. Uma forma de marcar e identificar bebês meninas e diferenciá-las dos demais. E para quê serve essa segregação?
Risco de vida desnecessários
Desde que nascemos, nós, mulheres e meninas, temos chances de passar por muito mais violências que os meninos e homens. De coisas aparentemente tão pequenas e “inofensivas”, como os furos na orelha para por brincos, até assédio e abuso sexual, que não raramente começam antes da bebê chegar a completar um ano de vida.
Outros exemplos similares de risco de vida a que meninas são submetidas por caprichos estéticos desde tão novas é o uso de tiaras e colares. O médico osteopata Dr. José Eduardo Souza relatou em seu Facebook ter atendido uma bebê que estava sofrendo com problemas de refluxo gastroesofágico e dormindo muito mal e relacionou a faixa apertada na cabeça que a bebê estava utilizando. Da mesma forma, o uso de colares em bebês que nem sequer desenvolveram o tônus muscular pode representar risco de sufocamento e morte súbita. Tudo por um acessório de “beleza”.
Segundo matéria publicada pela CNN Brasil, crianças de até 6 anos são maioria das vítimas de violência no Brasil, sendo a ampla maioria dos casos violência sexual. Os dados do Balanço Anual do Disque 100 também mostram que, em apenas 1 ano, cerca de 1262 crianças de 0 a 3 anos sofreram violência sexual no Brasil. Mais de 70% das vítimas são meninas e a maioria dos abusadores são homens adultos.
Claro, não estou dizendo que existe uma relação direta entre usar brincos e sofrer violência sexual. O que quero dizer é que não só o desrespeito e a invasão ao corpo das meninas é parte desse problema maior, como também é parte do continuum de violência a que somos submetidas desde sempre, além de servir para identificar os corpos “abusáveis”.
Humanizado sem consentimento?
O que o abuso, o assédio e o “furo na orelha”, inclusive o dito “furo humanizado”, têm em comum é um ponto fulcral na vida das meninas e mulheres: a falta de consentimento e de autonomia corporal. Uma pessoa estranha pode decidir o que fazer sobre seu corpo. E isso começa muito cedo para as meninas.
Como doula de parto na luta pela humanização do parto e dos direitos das mulheres, um dos pilares da humanização é a autonomia corporal, o protagonismo e o respeito pelas decisões que a pessoa toma sobre o próprio corpo. Ou seja, um dos requisitos básicos para algo ser humanizado é respeitar o protagonismo, a escolha e o corpo do sujeito.
Mas nem mesmo no “furo humanizado” existe consentimento, escolha ou protagonismo da bebê perfurada. Ela não pode escolher, consentir e nem pode ser a protagonista desse acontecimento e decisão sobre seu corpo. Ela é o objeto da decisão de alguém. E isso é exatamente o oposto de “humanizado”.
Como podemos ensinar sobre consentimento se desde cedo nós o ignoramos?
A ideia de “humanização” no “furo de orelha humanizado” chega a ser uma brincadeira de mau gosto: aplicar medicação anestésica ou utilizar aparelhos de frequência para reduzir a dor de um procedimento completamente desnecessário que visa perfurar uma parte do corpo de uma criança não é uma política de respeito, é de “redução de danos”. E quem causa estes danos em primeiro lugar?!
Tendo tudo isso em conta, é difícil entender porque a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendaria “esperar até os 2 anos” para furar ao invés de simplesmente desestimular a prática invasiva de furar orelhas de bebês. É um procedimento cultural completamente desnecessário que constitui sim riscos à saúde e à integridade da criança.
E por que nós, enquanto mãe, colaboraríamos para uma cultura que penaliza a nós e às nossas filhas? Por que deveríamos submeter nossas filhas desde tão cedo à “ditadura da beleza”, normalizando a cultura da invasão dos corpos das meninas? Por que tiraríamos delas a chance de decidir sobre seu próprio corpo, de tomar essa decisão como um passo corajoso do qual pudessem se orgulhar, e fazer isso por escolha própria?
O furo humanizado não existe. É apenas uma nova embalagem para vender um velho produto de mercado.
Marina Moreira
julho 9, 2021 at 2:38 pmAí a criança faz 10 anos e quer um seguro furo na orelha e os pais acham um absurdo! com 15 anos o adolescente quer um piercing mas isso também é um absurdo! Ah sinceramente…
Vóvô da Luiza
julho 10, 2021 at 12:00 pmFofa, uma criança com 10 anos sabe que um furo na orelha vai doer. Uma com quinze já sofreu alguns machucados. Um bebê é um ser muito frágil, até para dar vaicna, a gente sofre junto, fazer a criançinha sofre sem necessidade? Para satisfazer o ego dos pais ou avós?
Vanessa Pantoja Torres
outubro 18, 2021 at 7:46 amQuando li feminista, entendi o post!
NELSON GIRO DOS REIS FO
dezembro 15, 2021 at 5:17 pmSou profissional body piercing a 21 anos.
Graças a Deus apareceu alguém para dizer a verdade. Piercing humanizado não existe e nunca existiu. A é a maior balela de pessoas para se aparecer. Muitas falem em anestesia.!!!! Isso é crime.. No Brasil anestésicos só podem ser manipulados por médicos e dentistas. Farmacêuticos e enfermeiros não podem manipular este tipo de substância. É uma vergonha. E os pais tansos caem nesta palhaçada. Parabéns ao post.
Lilian Galvão
maio 19, 2022 at 10:56 pmNossa que artigo esclarecer. Tenho duas filhas uma de 16 e outra de 7. A minha primeira filha, levei para furar ainda bebê, tinha alguns meses, eu tinha muito medo, mas não conhecia os riscos, todos me falavam que não existiam, que eu estava demorando muito e isso seria pior, furar a orelha era quase uma obrigação de mãe de menina. Recebi uma indicação de que uma enfermeira era especialista em furar orelhas de bebês, levei e me arrependi, pois a cena para mim foi traumatizante, ela pegou minha bebê e furou com o próprio brinco, não fiquei contente com isso. Graças a Deus, não deu infecção, somente quando ela ficou maior, por ter alergia de bijouterias . A minha filha mais nova, não levei para furar até hoje, sofri muitas críticas, mas nunca me senti confortável em fazer isso, por mais que pesquisasse novas técnicas, e minha filha depois que começou a entender não queria, essa semana é que manifestou interesse e pediu. Por isso resolvi pesquisar e encontrei esse artigo, fiquei feliz por ter esperado a descisão dela e não ter cedido a pressão da sociedade. Eu mesma só furei a orelha com quase 15 anos, e senti muita dor com o disparo do revólver para furar, sendo que todos falavam que não doía, tanto que nunca quis fazer um segundo furo.
Acho que se a maioria das mães tivessem a oportunidade de ler esse artigo, não permitiria uma violência dessas em seu bebê .
Luana
setembro 7, 2023 at 8:06 pmOntem eu comentei em um vídeo em que estava uma gravação de tela com a mãe brava com a madrasta pois ela pediu autorização do pai da bebê para furar, ele deixou e ela o fez sem o consentimento da mãe que era a pessoa decidiu não furar.
Comentei no post que eu sei porquê as pessoas acham que furar a orelha de uma menina é regra. A minha tem 4 meses e decidi não furar e me cobram muito o furo mas acho algo desnecessário. Vou dar a escolha a ela decidir.
O fato de eu dar a escolha a minha filha, foi motivo para muitos se revoltarem com a a escolha que fiz para a MINHA FILHA. Acredito muito que os palpiteiros são uma das coisas que pesam muito a maternidade que é algo que tem altos e baixos. Nos anulam como mães quando decidimos fazer diferente dos demais e isso é horrível, principalmente quando somos mães de primeira viagem.
Será que é tão errado assim querer respeitar alguém e principalmente o corpo de um ser humano que nem sequer fala!? Queria muito entender o que se passa na cabeça das pessoas que ignoram só pelo fato da outra pessoa pensar diferente. Tenho as orelhas furadas, minha orelha esquerda tem um rasgo enorme porque acho que puxei quando muito novinha, nem gosto muito de brincos, só uso em algum evento e olhe lá.
Enfim, deixe nossas meninas em paz. Nós mulheres já somos cobradas por muitas coisas, não temos que serem cobradas por dois furos tão DESNECESSÁRIOS.
LILIAN, FICO FELIZ DE TER ALGUÉM COM O MESMO PENSAMENTO EU 💜.
carla
agosto 22, 2022 at 11:57 pmpois eu me arrependo profundamente de nao ter furado a orelha de minha filha logo aos 2 meses por causa de conversas como essa em que eu achei que seria o certo a fazer foi que minha filha sofreu bulling na escola por anos e me culpou por tudo hoje vive de terapia e o sofrimento e as dispersas medicas foram absurdamente maiores do que um furinho na orelha sendo sexista ou nao, nao tem como evitar uma criança viver em sociedade e passar por diversas experiências negativas nois maes tentamos prevenir o máximo mas agora acabou que eu contribui para o sofrimento dela desnecessariamente apenas pelo meu ego e minhas convicções eu podia ter evitado tudo isso so quem é mae de menina sabe o que eu estou falando
Schana Fockink
setembro 7, 2022 at 6:37 pmEntendo que é sua opinião porém, é um artigo tendencioso e um pouco forte demais. Feminista. E para sua informação, a Sociedade Brasileira de Pediatria orienta que a partir dos 2 meses de idade (e não 2 anos como consta aqui), após a primeira dose da vacina pentavalente (que possui a anti tetânica) já pode furar a orelha da bebê. Não acredito em pressão da sociedade como mencionas aqui, mas sim um carinho, um sonho de mãe de menina. Opiniões a parte, a parte do disparo de revólver é exagerado, foi a sua experiência e não deveria ser passado dessa forma.
Laura
setembro 25, 2022 at 2:00 pmCrença pessoal das autoras do blog. O brinco é uma questão cultural! Decidimos nome, religião, roupa e certamente com o brinco não seria diferente.
As moças que aqui escrevem provavelmente são a favor do aborto.
O bebê não pode decidir se vai nascer, mas tem que decidir se vai furar orelha ou não.
Hipocritas!
Parem de julgar profissionais que estão trabalhando e mulheres no puerpério que querem furar a orelha de suas filhas.
A mãe Quer furar? Não tem nada de errado nisso! Tá tudo bem!
Não quer furar?: tá tudo bem também.
Sem julgar a decisão alheia!